quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

"Consultório Sentimental"


"Eu não amo ninguém, embora seja uma pessoa sensível. Os românticos me aborrecem. Mas, às vezes, eu me angustio por ser incapaz de me apaixonar. A angústia, no entanto, logo passa - assim que eu me vejo diante de alguém que me atrai. Não fujo da atração, vou até o fim, mas o sexo me basta. Me esforço para achar a pessoa interessante e não consigo. Tento levar o namoro, mas o tédio toma conta de mim. Eu não amo inguém. Acho que ninguém ama ninguém. As pessoas forçam a barra por medo da solidão. Será que nós somos todos egocêntricos?"



O sexo te basta e o amor te entedia. Tudo bem. Sabendo ou não, a tradição à qual você pertence é a dos libertinos franceses, que sempre fizeram pouco do amor. Segundo Crebillon, escritor do século XVIII, o libertino se serve do amor para assegurar o triunfo da sua fantasia, erige a inconstância em princípio e só se interessa pelo prazer. Não dá a menor importância ao sentimento na conquista amorosa. A sua única meta é seduzir as mulheres, romper depois com elas e tornar público este triunfo. Para o libertino, nada se passa no segredo dos corações e nem deve ficar contido no espaço da alcova. A indiscrição é uma obrigação absoluta. Do ponto de vista dele, o espírito tem as suas leis, que não são as do coração, e as razões do coração diferem fundamentalmente das razões do corpo.
Já no século XVIII ninguém era obrigado a amar. Mas por que você faz do seu desinteresse pelo amor uma regra e conclui que "ninguém ama ninguém", desqualificando um sentimento no qual a grande maioria das pessoas se reconhece? A sua frase é uma generalização análoga a "homem nenhum presta" ou "entra de sola que mulher gosta de apanhar", como diz uma personagem de Nelson Rodrigues. São formulações abstratas que só servem para minar a relação entre as pessoas e os sexos. Podem figurar num romance ou numa peça de teatro, mas são nefastas na vida social. No mundo em que vivemos, não há lugar para elas.
A contenção no discurso é fundamental para que possamos virar um dia a página da violência. Cada uma das nossas palavras tem conseqüências para nós e para os outros. O melhor exemplo talvez seja o de uma lei alemã que proíbe dizer que o holocausto não aconteceu. Fiquei sabendo desta lei em Berlim e tive grande admiração pelo povo alemão. Soube tirar uma verdadeira lição da guerra. Nem tudo se pode dizer. Porque a palavra deixa a sua marca. Isso acaso significa que eu sou contra a liberdade de palavra? Obviamente não é disso que se trata, e sim de não confundir esta liberdade com o descontrole. Ser livre é fazer e dizer aquilo que a gente pode. O mais é puro excesso.






To Be.: http://veja.abril.com.br/blog/consultorio-sentimental/


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